Friday, March 30, 2007

Ainda Pessoa

«A alegria», disse Nietzsche, «quer eternidade,
quer profunda eternidade».
Não é, nem nunca foi assim: a alegria não quer nada, e é por isso que é alegria.
A dor, essa, é o contrário da alegria, como a concebia Nietzsche: quer acabar, quer não ser.
O prazer, porém, quando o concebemos fora de relação essencial com a alegria ou com a dor,
esse, sim, quer eternidade; porém quer
a eternidade num só momento.

Candy, 1990

E como sexta é dia de música todo o dia, Candy Pop...

Thursday, March 29, 2007

Candy, 2006

Verrà la morte e avrà i tuoi occhi -

Virá a morte e terá os teus olhos -
questa morte che ci accompagna dal mattino alla sera, insonne,
esta morte que nos acompanha de manhã à noite, insone,
sorda, come un vecchio rimorso
surda como um velho remorso
o un vizio assurdo. I tuoi occhi
ou um vício absurdo. Os teus olhos
saranno una vana parola,
serão uma vã palavra,
un grido taciuto, un silenzio.
um grito mudo, um silêncio.


Cosí li vedi ogni mattina
Assim os vês, cada manhã
quando su te sola ti
quando te inclinas só
pieghinello specchio. O cara speranza,
ante o espelho. Oh querida esperança,
quel giorno sapremo anche noi
naquele dia saberemos também nós
che sei la vita e sei il nulla.
que és a vida e és o nada.

Per tutti la morte ha uno sguardo.
Para todos a morte tem um olhar.
Verrà la morte e avrà i tuoi occhi.
Virá a morte e terá os teus olhos.
Sarà come smettere un vizio,
Será como largar um vício,
come vedere nello specchio
como ver no espelho
riemergere un viso morto,
ressurgir um rosto morto,
come ascoltare un labbro chiuso.
como escutar uns lábios fechados.
Scenderemo nel gorgo muti.
Desceremos o redemoinho, mudos.


Cesare Pavese, «Verrà la morte e avrà i tuoi occhi»,
22 de Março de 1950.
Trad. Jorge Sousa Braga

Ser Pessoa



First be free;

then ask for freedom.




Só quem nunca pensou chegou alguma vez a uma conclusão.
Pensar é hesitar.



Duvido, portanto penso.











Só o primeiro passo é que custa. Mas depois do primeiro passo dado, o segundo é o primeiro depois desse. É bom reparar nisto e não dar passo nenhum… Todos custam.




Isto está tudo decadente: já nem decadentes há.

Love is a mortal sample of immortality.


Ser austero é não saber esconder que se tem pena
de não ser amado.
A moral é a má hipocrisia da inveja.


Adia tudo. Nunca se deve fazer hoje o que se pode deixar de fazer também amanhã. Nem mesmo é necessário que se faça qualquer cousa, amanhã ou hoje.


Saber ser supersticioso ainda é uma das artes que, realizadas a auge, marcam o homem superior.


A loucura, longe de ser uma anomalia, é a condição normal humana. Não ter consciência dela, e ela não ser grande, é ser homem normal. Não ter consciência dela e ela ser grande, é ser louco. Ter consciência dela e ela ser pequena é ser desiludido. Ter consciência dela e ela ser grande é ser génio.


Pintura de Costa Pinheiro. Palavra de Pessoa.

Wednesday, March 28, 2007

Tesourinhos não-deprimentes X

Péssima imagem, óptimas recordações.

Tuesday, March 27, 2007

Dia Mundial do Teatro

dieu de son vrai nom s’appelle Artaud
ANTONIN ARTAUD 1896-1948

Sans un élément de cruauté à la base de tout spectacle, le théâtre n'est pas possible.
Le théâtre de la cruauté veut faire danser des paupières couple à couple avec des coudes, des rotules, des fémurs, et des orteils et qu'on le voie.
Le Théâtre et son Double

Ce qui distingue les forfaits de la vie de ceux du théâtre, c'est que dans la vie on fait plus et on dit moins, et qu'au théâtre on parle beaucoup pour faire une toute petite chose.
Les Censi

Nul n'a jamais écrit ou peint, sculpté, modelé, construit, inventé, que pour sortir en fait de l'enfer.
Van Gogh ou le Suicidé de la Société

J'aime les poèmes des affamés, des malades, des parias, des empoisonnés: François Villon, Charles Baudelaire, Edgar Poe, Gérard de Nerval, et les poèmes des suppliciés du langage qui sont en perte dans leurs écrits, et non de ceux qui s'affectent perdus pour mieux étaler leur science et de la perte et de l'écrit.
Lettre du 22 Septembre 1945

Monday, March 26, 2007

Tribute to the 80s

Perfeito, perfeito, perfeito...

Sunday, March 25, 2007

Tell me that you'll open your eyes

Não é só uma grande música. É uma grande curta-metragem (c. 9 mins.) realizada por Claude Lelouch (Les Uns et Les Autres, Un Homme et Une Femme) numa madrugada de Agosto de 1976. Pequena obra-prima do cinéma vérité, C'était un rendez-vous foi filmada em ângulo único por uma câmara giroscópica colocada na parte dianteira de um carro a rodar a mais de 100 km/h pelas ruas de Paris: Boulevard Périphérique - Avenue Foch - Place Charles-de-Gaulle - Avenue des Champs-Élysées - Place de la Concorde - Quai des Tulieres - Arc de Triomphe du Carrousel - Rue de Rohan - Avenue de l'Opéra - Place de l'Opéra - Fromental Halévy - Rue de la Chausée d'Antin - Place d'Estienne d'Orves - Rue Blanche - Rue Pigalle - Place Pigalle - Boulevard de Clichy - Rue Caulaincourt - Avenue Junot - Place Marcel Aymé - Rue Norvins - Place du Tertre - Rue Ste-Eleuthère - Rue Azais - Place du Parvis du Sacré Cœur.
Durante muito tempo especulou-se que o carro usado para transportar a câmara fora um Ferrari 275 GTB (suposição baseada no barulho do motor que se pode ouvir no filme original, e suportada pelo facto de o próprio Lelouch ter um carro dessa marca e modelo). A identidade do condutor gerou também muita discussão, tendo-se arrolado os nomes mais conhecidos do automobilismo na época, como Jacques Laffite, Jacky Ickx, Jean-Pierre Beltoise, Jean Ragnotti, Johnny Servoz-Gavin, etc. Recentemente, porém, Lelouch assumiu a condução do carro, e revelou ter utilizado um Mercedes-Benz 6.9L, tendo posteriormente sobreposto o som do Ferrari para criar a impressão de maior velocidade.
A película não teve edição nem autorização. Quando o filme foi exibido pela primeira vez, o realizador foi preso.

Lelouch parle:

«Neuf minutes trente secondes de pellicule, c'est ce qui me restait à la fin du tournage de Si c'était à refaire, au moment des rendus. Trouvant dommage de laisser perdre ces précieux trois cents mètres de pellicule, j'en ai profité pour réaliser un projet qui me tenait à cœur depuis longtemps: un film en un seul plan-séquence où la caméra traverserait Paris à grande vitesse, son regard étant celui d'un homme qui conduit comme un fou parce qu'il est en retard à un rendez-vous. Pour moi, être à l'heure est une obsession. Je suis capable de prendre des risques inouïs pour ne pas être en retard.

À côté de moi, mon chef opérateur contrôle la vitesse de la caméra accrochée au pare-chocs. Nous brûlons systématiquement tous les feux rouges. Les rues et les avenues défilent à une vitesse terrifiante. A ce moment là, je me dis que les spectateurs seront collés à leurs fauteuils, écrasant du pied un frein imaginaire.

J'ai limité les risques en tournant ce film cascade au mois d'août, à cinq heures trente du matin, au lever du jour. La circulation est donc quasiment inexistante. Je n'ai pu cependant obtenir l'autorisation de bloquer les rues débouchant sur mon parcours. Un véhicule peut donc déboîter devant moi à n'importe quel moment. Si cela se produit, je prie pour avoir le coup d'œil et les réflexes nécessaires pour réagir au quart de seconde.

Pour la beauté du film, il fallait vraiment que je ne m'arrête pas. Que je stoppe à un feu rouge, et le film disparaissait.

D'une voix de procureur, le préfet, qui m'a personnellement convoqué, dresse à mon intention la liste de toutes les infractions que j'ai commises pendant les quelques minutes de tournage de Pour un rendez-vous. Elle est interminable. Quand il a fini, il lève sur moi un œil noir et dit en avançant la main:

— Remettez-moi votre permis de conduire, s'il vous plait.

Le moment serait mal choisi pour discuter. Je m'exécute. Le préfet de police s'empare du document, le contemple rêveusement pendant quelques secondes, puis... me le rend avec un large sourire.

— Je m'étais engagé à vous le retirer, me dit-il. Mais je n'ai pas précisé pour combien de temps.

Devant ma stupéfaction, il ajoute:

— Mes enfants adorent votre petit film!»

Merci, Snow Patrol


Friday, March 23, 2007

Tesourinhos não-deprimentes IX

It's Friday :).
Bom fim-de-semana.

Wednesday, March 21, 2007

No Dia da Árvore e da Poesia

Trent Parke, Australia (Magnum Photos)

A MISSÃO DAS FOLHAS

Naquela tarde quebrada
contra o meu ouvido atento
eu soube que a missão das folhas
é definir o vento

ALGUMAS PROPOSIÇÕES COM PÁSSAROS E ÁRVORES QUE
O POETA REMATA COM UMA REFERÊNCIA AO CORAÇÃO


Os pássaros nascem na ponta das árvores
As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros
Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores
Os pássaros começam onde as árvores acabam
Os pássaros fazem cantar as árvores
Ao chegar aos pássaros as árvores engrossam movimentam-se
deixam o reino vegetal para passar a pertencer ao reino animal
Como pássaros poisam as folhas na terra
quando o outono desce veladamente sobre os campos
Gostaria de dizer que os pássaros emanam das árvores
mas deixo essa forma de dizer ao romancista
é complicada e não se dá bem com a poesia
não foi ainda isolada da filosofia
Eu amo as árvores principalmente as que dão pássaros
Quem é que lá os pendura nos ramos?
De quem é a mão a inúmera mão?
Eu passo e muda-se-me o coração

ÁRVORE RUMOROSA

Árvore rumorosa pedestal da sombra
sinal de intimidade decrescente
que a primavera veste pontualmente
e os olhos do poeta de repente deslumbra

Receptáculo anónimo do espanto
capaz de encher aquele que direito à morte passa
e no ar da manhã inconsequentemente traça
o rasto desprendido do seu canto

Não há inverno rigoroso que te impeça
de rematar esse trabalho que começa
na primeira folha que nos braços te desponta

Explodiste de vida e és serenidade
e imprimes no coração mais fundo da cidade
a marca do princípio a que tudo remonta

A MULTIPLICAÇÃO DO CEDRO

O senhor deus é espectador desse homem
Encheu-lhe o regaço de dias e soprou-lhe
nos olhos o tempo suave das árvores
Deu-lhe e tirou-lhe uma por uma
cada uma das quatro estações
A primavera veio e ele árvore singular
à beira do tempo plantada
vestiu-se de palavras
E foi a folha verde que deus passou
pela terra desolada e ressequida
Quando as palavras o deixaram de cobrir
ficaram-lhe dois dos olhos por onde
o senhor olha finitamente a sua obra
Até que as chuvas lhe molharam os olhos
e deles saíram os rios que foram desaguar
ao grande mar do princípio

De UMA ÁRVORE NA MINHA VIDA

Não sei um dia mas alguma coisa me doía
ou talvez não doesse mas havia fosse o que fosse
Era isso sentia a grande falta de uma árvore
e pensei plantar em seguida uma árvore na minha vida

Dou palavras um pouco como as árvores dão frutos

RUY BELO

Tuesday, March 20, 2007

Lições de Anatomia Estética I - Contraponto

«o que há de mais profundo no homem é a pele»

Paul Valéry, L'Idée Fixe

Monday, March 19, 2007

Lições de Anatomia Estética I

Francis Bacon, Three Studies for a Crucifixion - 3 (1962)
Solomon R. Guggenheim Museum, New York


O HOMEM EM PELE E OSSO
Bandeira Tribuzi (1927 - 1977)

A pele é superfície,
os ossos são entranha.
A pele é o que se vê,
os ossos o que escapa.
A pele é uma casca,
os ossos uma safra.
A pele é entrega,
o osso é arma.
A pele é palma,
o osso é clava.
A pele é a pintura,
os ossos são a casa.
A pele é o acidente,
o osso o permanente.
A pele são as nuvens,
os ossos são a água.
A pele são os musgos,
os ossos são as montanhas.
A pele é o agora,
os ossos são milênios.
A pele é um orvalho,
os ossos são invernos.
Pele e Osso, 1970

Sunday, March 18, 2007

Tesourinhos não-deprimentes VIII

Porque já não era possível este blog sobreviver sem este tesourinho...

Friday, March 16, 2007

Happy Birthday, Bertolucci (Parma, 16 de Março de 1941)



Ultimo Tango a Parigi (1972)

as long as we're nameless,
our bodies are blameless

We are shadows who dance...


Stealing Beauty (1996)



The Dreamers (2003)


Matthew: I think you prefer when the world "together" means not "a million," but just two.

Matthew: Yes, I'm drunk. And you're beautiful. And tomorrow morning, I'll be sober but you'll still be beautiful.


Matthew: I was one of the insatiables. The ones you'd always find sitting closest to the screen. Why do we sit so close? Maybe it was because we wanted to receive the images first. When they were still new, still fresh. Before they cleared the hurdles of the rows behind us. Before they'd been relayed back from row to row, spectator to spectator; until worn out, secondhand, the size of a postage stamp, it returned to the projectionist's cabin. Maybe, too, the screen was really a screen. It screened us... from the world.

Thursday, March 15, 2007

Primavera com pássaros dentro

Sandro Botticelli, Primavera


For winter's rains and ruins are over,
And all the season of snows and sins;
The days dividing lover and lover,
The light that loses, the night that wins;
And time remembered is grief forgotten,
And frosts are slain and flowers begotten,
And in green underwood and cover
Blossom by blossom the spring begins.

A. C. Swinburne, Atalanta in Calydon

Sucedeu que veio a primavera e todas as árvores, para lá do território assolado, estremeceram e se cobriram de flor. Borboletas nascidas do seu hálito noivavam no azul, e dois mendigos amorosos, de países lendários, entraram e perderam-se naquela terra praguenta, ela envolta na poalha dos cabelos louros, ele feliz e esbelto, preso ao seu olhar. Eram pobres. E assim, apenas vestidos, vieram enlaçados com a primavera, cobrindo a terra erma, que calcavam, de vida e de amor. Eram pobres e felizes. Flores esvoaçavam pela sua nudez, e as macieiras dos quintais deitavam galhos fora dos muros, de propósito para os ver passar. Azul, sonho, entontecimento, toda a atmosfera estremecia.
[…]
Um dia o Rei soube que dois seres felizes haviam transposto as fronteiras e mandou-os logo prender. Nas últimas noites sentira-os nos espinheiros túmidos, nos sapos dos caminhos que pareciam extáticos, nas coisas que estremeciam, na noite magnética cheia de murmúrios, no vento que atirava para o castelo ramos de árvores luminosos. Punha-se de ouvido à escuta, e a terra, a noite e o mar sufocados iam talvez falar; iam enfim falar!...
Quando os soldados os trouxeram ao Palácio, com eles entrou um bafo novo: cheiravam a sol e à lama dos caminhos e pagava-se-lhes húmus aos pés descalços. A vida rompeu por aquele túmulo dentro e, pois que ia morrer, dir-se-ia que a morte, em lugar da foice simbólica, pela primeira vez trazia nas mãos um ramo de árvore.
Dois mendigos e amavam-se! Nem sequer eram extraordinariamente belos, mas deles irradiava uma força imensa — daquela moça sardenta, com resquícios de palha pegados aos cabelos, daquele homem cuja carne aparecia entre os farrapos. Não davam pelo Rei, não davam pela Morte. Amavam-se. Atreviam-se num país que ele mandara assolar para que nunca mais diante de seus olhos pudesse aparecer a imagem da vida e do amor!
Olhou-os o Rei durante alguns minutos em silêncio, e depois fez um gesto aos carrascos, que logo se apoderaram deles e os levaram. Sorriam-se os mendigos cheios de terra e ervas, e, enlevados, olharam um para o outro, ignorando o que se passava em volta — olhos nos olhos, mãos nas mãos...
Noite negra, o Rei subiu sozinho ao terraço. Restos de nuvens, restos de mantos esfarrapados arrastavam-se pelo céu. A árvore onde os dois haviam sido enforcados, mal se distinguia no escuro; mas de lá vinha um frémito, a sua agonia talvez, e uma claridade, os seus corpos decerto. Em vão reduzira tudo a cinzas — por baixo das cinzas latejava a vida. Toda a terra parecia fermentar. Ouvia murmúrios. Se as árvores falassem! Se as árvores e as coisas dissessem tudo que sabem! A água chalrava, perdia-se em fios pela terra. Mas então ele não mandara secar as fontes? Vozes, mais vozes ainda no escuro, a voz baixinha e humilde das árvores cheias de folha, que o vento chegava umas para as outras... Mas então ele não mandara despir para sempre as árvores? Pior... Mais fundo ainda, no negrume opaco da noite, o sussurro da vida — como se ele não tivesse mandado espezinhar a vida!... Encostado à muralha, passou a noite absorto. As nuvens galopavam, o grasnido dos corvos afligia-o... Por que não iria ele também ser macieira, mendigos, húmus? Transformar a dor em felicidade? Beber o sol arrastado na aluvião da vida? Oh como odiava a mocidade, a ternura, os lábios moços que se beijam...
Só a árvore esgalhada e seca o prendia ainda, a árvore sinistra que no seu reino servia de forca.
Ficou até de manhã de olhos postos naquele fantasma triste e enorme, negro como as ideias negras que tecia, seco como a sua própria alma — a árvore desmedida que no seu reino servia de forca... Começaram os cerros a tingir-se de violeta, as árvores a azular, e a forca, em que se absorvia, a destacar-se de entre a névoa, a árvore esgalhada e imensa que havia séculos perdera a seiva e a vida.
Súbito ficou imóvel de espanto. Aquecida com o amor de dois mendigos, tinha o galho em que pendiam enforcados cheinho de flor. Dura e má como as pragas juntara no ramo que os cobria toda a flor que a terra assolada não pudera produzir. Era nada, quase nada, algumas flores miudinhas prestes a sumirem-se ao primeiro sopro — era dor estreme e sonho estreme. Nos seus braços haviam sido enforcados muitos desgraçados e as suas raízes mortas pelas lágrimas da aflição. Tolhida com os gritos, não bebia água nem sugava húmus. Vira passar homens, primaveras e reinados, sem se comover, mão arrepelada a amaldiçoar a terra e o castelo. Assistira a transformações de solo, a tempestades, a cataclismos e as guerras, sempre petrificada como a morte — e naquela noite, trespassada pelo amor dos dois mendigos, desentranhara-se em ternura, como se nela se encontrasse toda a paixão, a primavera e o noivado da terra — a árvore maldita que desde séculos servia de forca.

Raul Brandão, O Mistério da Árvore

Wednesday, March 14, 2007

Manuale d'Amore

Um filme invulgar: Manuale d'Amore, de Giovanni Veronesi (Italia, 2005)

Um slogan vulgar: L'uomo non sa perché s'innamora... viene travolto e basta!

Uma voz: Patrizia Laquidara

Um verso: Tenho beijos na mão

A banda sonora da semana: Noite e Luar, para ouvir sem parar

Monday, March 12, 2007

Delicate Sound of Thunder

Podia mandar-te um relâmpago
como se fosse um telegrama.

Vladimir Maiakovsky

Sunday, March 11, 2007

If you don't shoot it, how am I supposed to hold it?

Cf. Le Ballon Rouge, de Albert Lamorisse (França, 1956).

Friday, March 9, 2007

Tesourinhos não-deprimentes VII

Porque as manhãs de sábado já foram assim...

Hello world



A baby is God's opinion that life should go on. Never will a time come when the most marvelous recent invention is as marvelous as a newborn baby. The finest of our precision watches, the most super-colossal of our supercargo planes don't compare with a newborn baby in the number and ingenuity of coils and springs, in the flow and change of chemical solutions, in timing devises and interrelated parts that are irreplaceable.
Carl Sandburg, Remembrance Rock, 1948

Good world, Leonor :)

Wednesday, March 7, 2007

Baudelaire, o sábio


Sans chimères et sans ivresses, la vie ne connaîtrait que des passions tristes

Georges Picard, Du Bon Usage de l'Ivresse, Paris, Corti, 2005.




ENIVREZ-VOUS


Il faut être toujours ivre, tout est là; c'est l'unique question. Pour ne pas sentir l'horrible fardeau du temps qui brise vos épaules et vous penche vers la terre, il faut vous enivrer sans trêve.
Mais de quoi? De vin, de poésie, ou de vertu à votre guise, mais enivrez-vous!
Et si quelquefois, sur les marches d'un palais, sur l'herbe verte d'un fossé, vous vous réveillez, l'ivresse déjà diminuée ou disparue, demandez au vent, à la vague, à l'étoile, à l'oiseau, à l'horloge; à tout ce qui fuit, à tout ce qui gémit, à tout ce qui roule, à tout ce qui chante, à tout ce qui parle, demandez quelle heure il est. Et le vent, la vague, l'étoile, l'oiseau, l'horloge, vous répondront, il est l'heure de s'enivrer ; pour ne pas être les esclaves martyrisés du temps, enivrez-vous, enivrez-vous sans cesse de vin, de poésie, de vertu, à votre guise.

Charles Baudelaire, Le Spleen de Paris

Till the Sun turns Black

É o título do último trabalho de Ray LaMontagne, e da música 10 do álbum - ideal para estes tempos de eclipses -, mas é também o título da exposição de Cristina Alvarenga Marques (Al.ma), patente na Galeria Trindade (R. Miguel Bombarda). A não perder.

who are we? who are we?
can you see the violent simply
living loving violently
every breath it takes eternity
till the sun turns black.

Ray LaMontagne


DREAM VARIATIONS

To fling my arms wide
In some place of the sun,
To whirl and to dance
Till the white day is done.
Then rest at cool evening
Beneath a tall tree
While night comes on gently,
Dark like me
That is my dream!

To fling my arms wide
In the face of the sun,
Dance! Whirl! Whirl!
Till the quick day is done.
Rest at pale evening . . .
A tall, slim tree . . .
Night coming tenderly
Black like me.

Langston Hughes



Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.
Mário de Sá-Carneiro

Ver a exposição procurando o poema de Eduardo Pitta cantado por A Naifa (Canções Subterrâneas, 2004):

Está um rapaz a arder
em cima do muro,
as mãos apaziguadas.
Arde indiferente à neve que o encharca.

Outros foram capazes
de lhe sabotar o corpo,
archote glaciar.
Nunca ninguém apagou esse lume.

Monday, March 5, 2007

Crítica da Faculdade do Juízo

Reconhece sempre que os seres humanos são fins,
e não os uses como meios para o teu fim.

Se o homem se transforma a si mesmo num verme,
não deve queixar-se quando é espezinhado.

Imaturidade é a incapacidade para se usar a própria inteligência
sem a ajuda de outrem.

A ingratidão é a essência da vileza.

A ciência é o conhecimento organizado. A sabedoria é a vida organizada.

Vive a tua vida como se cada um dos teus actos
se fosse transformar em lei universal.

Todo o nosso conhecimento começa nos sentidos,
avança então para o entendimento, e termina na razão.
Não há nada mais elevado do que a razão.

Na lei, um homem é culpado quando viola os direitos dos outros.
Na ética, é culpado apenas por pensar em fazê-lo.

A vontade de Deus não é apenas que sejamos felizes, mas que nos façamos felizes.


A moralidade não é a doutrina de como podemos tornar-nos felizes,
mas de como podemos tornar-nos dignos da felicidade.

Ser é fazer.

Immanuel Kant

Saturday, March 3, 2007

O dia da criação aka Saturday Night Fever

I
Hoje é sábado, amanhã é domingo
A vida vem em ondas, como o mar
Os bondes andam em cima dos trilhos
E Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na cruz para nos salvar.
Hoje é sábado, amanhã é domingo
Não há nada como o tempo para passar
Foi muita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo
Mas por via das dúvidas livrai-nos meu Deus de todo mal.

Hoje é sábado, amanhã é domingo
Amanhã não gosta de ver ninguém bem
Hoje é que é o dia do presente
O dia é sábado.
Impossível fugir a essa dura realidade
Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios
Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas
Todos os maridos estão funcionando regularmente
Todas as mulheres estão atentas
Porque hoje é sábado.

II
Neste momento há um casamento
Porque hoje é sábado
Hoje há um divórcio e um violamento
Porque hoje é sábado
Há um rico que se mata
Porque hoje é sábado
Há um incesto e uma regata
Porque hoje é sábado
Há um espetáculo de gala
Porque hoje é sábado
Há uma mulher que apanha e cala
Porque hoje é sábado
Há um renovar-se de esperanças
Porque hoje é sábado
Há uma profunda discordância
Porque hoje é sábado
Há um sedutor que tomba morto
Porque hoje é sábado
Há um grande espírito-de-porco
Porque hoje é sábado
Há uma mulher que vira homem
Porque hoje é sábado
Há criançinhas que não comem
Porque hoje é sábado
Há um piquenique de políticos
Porque hoje é sábado
Há um grande acréscimo de sífilis
Porque hoje é sábado
Há um ariano e uma mulata
Porque hoje é sábado
Há uma tensão inusitada
Porque hoje é sábado
Há adolescências seminuas
Porque hoje é sábado
Há um vampiro pelas ruas
Porque hoje é sábado
Há um grande aumento no consumo
Porque hoje é sábado
Há um noivo louco de ciúmes
Porque hoje é sábado
Há um garden-party na cadeia
Porque hoje é sábado
Há uma impassível lua cheia
Porque hoje é sábado
Há damas de todas as classes
Porque hoje é sábado
Umas difíceis, outras fáceis
Porque hoje é sábado
Há um beber e um dar sem conta
Porque hoje é sábado
Há uma infeliz que vai de tonta
Porque hoje é sábado
Há um padre passeando à paisana
Porque hoje é sábado
Há um frenesi de dar banana
Porque hoje é sábado
Há a sensação angustiante
Porque hoje é sábado
De uma mulher dentro de um homem
Porque hoje é sábado
Há uma comemoração fantástica
Porque hoje é sábado
Da primeira cirurgia plástica
Porque hoje é sábado
E dando os trâmites por findos
Porque hoje é sábado
Há a perspectiva do domingo
Porque hoje é sábado

III
Por todas essas razões deverias ter sido riscado do Livro das Origens,
ó Sexto Dia da Criação.
De fato, depois da Ouverture do Fiat e da divisão de luzes e trevas
E depois, da separação das águas, e depois, da fecundação da terra
E depois, da gênese dos peixes e das aves e dos animais da terra
Melhor fora que o Senhor das Esferas tivesse descansado.
Na verdade, o homem não era necessário
Nem tu, mulher, ser vegetal, dona do abismo, que queres como as plantas, imovelmente e nunca saciada
Tu que carregas no meio de ti o vórtice supremo da paixão.
Mal procedeu o Senhor em não descansar durante os dois últimos dias
Trinta séculos lutou a humanidade pela semana inglesa
Descansasse o Senhor e simplesmente não existiríamos
Seríamos talvez pólos infinitamente pequenos de partículas cósmicas em queda invisível na terra.
Não viveríamos da degola dos animais e da asfixia dos peixes
Não seríamos paridos em dor nem suaríamos o pão nosso de cada dia
Não sofreríamos males de amor nem desejaríamos a mulher do próximo
Não teríamos escola, serviço militar, casamento civil, imposto sobre a renda e missa de sétimo dia.
Seria a indizível beleza e harmonia do plano verde das terras e das águas em núpcias
A paz e o poder maior das plantas e dos astros em colóquio
A pureza maior do instinto dos peixes, das aves e dos animais em
cópula. Ao revés, precisamos ser lógicos, freqüentemente dogmáticos
Precisamos encarar o problema das colocações morais e estéticas
Ser sociais, cultivar hábitos, rir sem vontade e até praticar amor sem vontade
Tudo isso porque o Senhor cismou em não descansar no Sexto Dia e sim no Sétimo
E para não ficar com as vastas mãos abanando
Resolveu fazer o homem à sua imagem e semelhança
Possivelmente, isto é, muito provavelmente
Porque era sábado.

Vinicius de Moraes
Everything but the girls at www.flickr.com/photos/jofrias

Friday, March 2, 2007

Tesourinhos não-deprimentes VI C

A música da noiva, ao vivo e a cores, num raro espectáculo de som e luz dos 80s.

Tesourinhos não-deprimentes VI B

Mais um pedido da noiva

Tesourinhos não-deprimentes VI A

A pedido da noiva