Monday, April 30, 2007



Os versos podem ser perigosos
como o fogo.

Diderot por Adília Lopes

Friday, April 27, 2007

Lições de Anatomia Estética IV


A COR DOS OSSOS

É muito pouco, geralmente, o que sabemos quer dos nossos órgãos, quer do nosso sangue.
[...]
Se me fosse possível ver na rua um osso ou um órgão meu, dificilmente o distinguiria dos de outras pessoas junto das quais ele estivesse, do mesmo modo que não conheceria o meu antepassado de quem nunca me chegou às mãos qualquer retrato.
A nossa anatomia é uma terra enigmática e longínqua sobre cujo mapa jamais pensámos debruçar-nos. Carregamos connosco, desde que nascemos, montes e caudalosos rios de cujo crescimento temos uma ideia exterior, ligada sobretudo ao peso que do conjunto periodicamente acusa o mostrador duma balança anónima. Das fontes que dentro de nós durante muitos anos brotam e depois de apagam lentamente, não temos a mínima noção, nem do que dentro de nós se passa em processos aparentemente tão simples e correntes como as digestões diárias.

Os ossos são, no entanto, o que, de tudo isso, mais me preocupa. Desconhecemos deles a própria cor. Talvez haja quem os tenha coloridos, uns deles azuis, os outros cor-de-rosa, e atravesse a vida, às vezes longa, sem que do facto se chegue a aperceber. Há talvez mesmo quem não dê, durante a vida inteira, por ter ossos, carregando-os consigo várias dezenas de anos como se eles não existissem. O problema que daqui decorre é o de saber se o facto de a cor deles divergir altera a relação que, mesmo que o ignore, com eles tem quem os possui; ou seja, o de saber se alguém, por tê-los verdes, ou verdes alguns deles e outros azuis, se sente, por exemplo, mais feliz - ainda que, repito, essa questão se lhe não ponha - do que quem os tem castanhos, ou pura e simplesmente duma cor que como tal se não chegue a definir, como se só em dadas circunstâncias se justificasse que a questão da cor fosse encarada.
Um outro passo a dar nos meandros deste raciocínio é o que nos leva a pôr a hipótese de os ossos se poderem refugiar, em certos casos, na memória, como se esta os absorvesse e quem por eles fosse constituído então se invertebrasse ou reduzisse a um mero filamento onde assentasse a carapaça da memória, no interior da qual o corpo inteiro se engolfasse até completamente se sumir.

Luís Miguel Nava, O Céu sob as Entranhas

Chave de leitura no último verso do poema «Manuel»:

Entre a pele e o coração alçam-se as pontes.

Luís Miguel Nava, Onde à Nudez

R.I.P.

Tesourinhos não-deprimentes XII

Na época em que o Festival Eurovisão da Canção era um acontecimento...

Wednesday, April 25, 2007

Lições de Anatomia Estética III

The Birthday Party, Act I, Stanley vs. Meg


Goldberg: What's your trade?
Stanley: I play the piano.
Goldberg: How many fingers do you use ?
Stanley: No hands!


Harold Pinter, The Birthday Party, Act II



Eva: Lemos para saber que não estamos sós. Mas que deixa mais obtusa para uma actriz, Eunice! Ler até tresler é parte da nossa profissão.
Eunice: É. Não sei. Também sempre li muito na companhia que tinha, sugestões, entusiasmos. E decorar não é ler, é meter no corpo. Implante cardíaco, literalmente. Saber de cor.

Maria Velho da Costa, Madame (versão de cena), Cena IX

Monday, April 16, 2007

I could be violet sky

Nem tudo tem que ser mau à segunda-feira...
I must admit: I'm addicted.
Como alguém disse dos Scissor Sisters, nunca a música má foi tão boa. Enjoy it.

Friday, April 13, 2007

Happy Birthday, Casa da Música


Sábado 14 Abril 2007
12:00, Sala 2
Gratuito
Otto Michael Pereira Prémio Jovens Músicos 2005
Vencedor do Prémio Jovens Músicos da RDP na classe de violino nível superior em 2005

19:30, Sala Suggia
20 EUR
Grigori Sokolov 14 Abril 2007
Grigori Sokolov marcou um dos momentos artísticos mais notáveis da Casa da Música aquando do seu recital a solo em 2005, tendo oferecido ao público seis encores memoráveis.

23:00
15 EUR
URBAN VIBE
A Casa da Música propõe uma noite no parque de estacionamento ao som de algumas das tendências mais actuais da música urbana, passando pelo grime, funk carioca e kuduro.
Rem Koolhaas®

An empty space

The Postal Service. Há covers assim.

Thursday, April 12, 2007

POLPA

Digo: polpa da tua mão.
Digo da dificuldade de descascar os dias
que se enroscam enovelados à luz de uma árvore.
Digo-te que a profundidade está à superfície,
que tudo penetra no silêncio da transparência a boiar.
Digo que a noite é um êxtase da fala,
uma corda de horas a derreter palavras.
Digo: polpa da água.
Digo-te como se prendem sílabas com a corrente
dos mares e como arfam aflitas dentro de uma vaga.
Digo: polpa da tua fala.

Tuesday, April 10, 2007

Restos da Páscoa







My pics @ Caceres & Merida

Mia Gaudí


Gaudí @Barcelona

Chaminé que construísse em minha casa não seria para sair o fumo, mas para entrar o céu.

Mia Couto

Friday, April 6, 2007

Good Friday

Christmas and Easter can be subjects for poetry, but Good Friday, like Auschwitz, cannot. The reality is so horrible, it is not surprising that people should have found it a stumbling block to faith.

W.H. Auden

The dripping blood our only drink,
The bloody flesh our only food:
In spite of which we like to think
That we are sound, substantial flesh and blood—
Again, in spite of that, we call this Friday good.


T.S. Eliot

Thursday, April 5, 2007

Wednesday, April 4, 2007

Tesourinhos não-deprimentes XI

Porque o noivo também tem direito ao seu tesourinho...

Lições de Anatomia Estética II - Eye's Anatomy

1. Alfred Hitchcock e Salvador Dalí, Spellbound (aka A Casa Encantada), 1945; 2. Luís Buñuel e Salvador Dalí, Un Chien Andalou, 1929


Era cirúrgico
Como o homem que opera nas pupilas
as artérias do seu próprio coração.
Daniel Faria (1971-1999)


1. Anatomia do Olho; 2. Jean Cocteau, Les Trois Yeux

La courbe de tes yeux fait le tour de mon coeur,
Un rond de danse et de douceur
[…]
Comme le jour dépend de l’innocence
Le monde entier dépend de tes yeux purs
Et tout mon sang coule dans leurs regards.
Paul Éluard


seu corpo arderá mansamente
sob os meus olhos palpitantes
Herberto Helder

Ponto cego


But love is blind, and lovers cannot see

The pretty follies that themselves commit

William Shakespeare

as cartas não se perdem porque as cartas não

são deste mundo

hão-de entrar-te pelos ossos desatados

estas palavras

vidas que sejam até que a órbita cega

do teu coração preso

se detenha na atrasada compreensão

do amor

Frederico Mira George

Tuesday, April 3, 2007

Feels like Nina Tonight

For a while, at Ronnie Scott's

Monday, April 2, 2007

Dia Internacional do Livro Infantil

Nenhum livro para crianças deve ser escrito
para crianças.
Fernando Pessoa, «Naufrágio de Bartolomeu» (1913)


Um livro escrito para crianças tem de visar as crianças, naturalmente, mas aguen­tar-se numa
no­va leitura quando essas crianças forem adultos.
Vergílio Ferreira, Conta-Corrente (1989)


Manuel António Pina


Querias só histó­rias alegres, meu tolo? Tu não és, também, umas vezes alegre e outras vezes tris­te?
*****
Foi numa noite de Na­tal. Está­va­mos em Maio mas não fazia mal, tinha havido uma avaria no Calendário e naquele ano saiu tudo ao con­­trá­rio, o Natal em Maio, a Primavera em Novem­bro, o 1º de Abril em 22 de Setem­bro. […] Houve semanas de 5 dias, outras inteiras, uma em Julho teve 16 segundas-feiras! Até houve a Semana dos 9 Dias.
*****
Que bom é pensar em outras coisas
e olhar as coisas de outra posição
As coisas sérias que cómicas são
com o céu para baixo e para cima o chão.

Tanta coisa certa está errada
Tanta coisa direita do invés
Que vontade de andar à cabeçada
Que vontade de pensar aos pontapés.
*****
Explicou-me que as pessoas e os objectos são seres frágeis. Quando o Sol nasce, a luz pega neles e leva-os com ela para o seu feio mundo de paredes e de chãos, onde tudo vive e existe distinto e separado de tudo e onde as coisas não são outras coisas. Uma flor, por exemplo é uma flor, e não é um pássaro, ou uma voz, nem um rio é outro rio, como no mundo das sombras e dos sonhos em que todas as coisas são todas coisas – disse-me a sombra – e tudo o que quiserem ser e não ser.
*****
Ao menino, como a toda a gente que tem defeitos de pronúncia, entaramelava-se-lhe a língua; este menino tinha sorte porque, como as letras do defeito dele eram o e o quê, a língua encara­me­la­va­-se-lhe e o menino gostava muito.


*****
Eu não escrevo para provar nada;
nem para ensi­nar nada,
muito menos às crianças.

Pina dixit

Sunday, April 1, 2007

Abrir Abril ou A Cor do Lilás


April is the cruelest month, breeding
Lilacs out of the dead land, mixing
Memory and desire, stirring
Dull roots with spring rain.
T. S. Eliot,The Wasteland, 1922





Marc Chagall, Les Amoureux dans le Lilas, 1930


Primavera em Paris: La Closerie des Lilas. N. em 1847, este Jardim Lilás dos Prazeres do Palato foi atravessado por Gertrude Stein e Alice B. Toklas, Ingres, Henry James, Chateaubriand, Picasso, Hemingway, Apollinaire, Lenine e Trotsky.

Uma voz sem cor, para todos os meses e todas as estações, ideal para abrir Abril: Terry Callier. Indispensáveis: Love Theme from Spartacus, Live With Me (c/ Massive Attack), In A Heartbeat (c/ Koop), Les Courants D'Air (c/ Grand Tourism), Dancing Girl &, of course, What Colour Is Love.