Monday, June 20, 2011

Teoria das cores

Era uma vez um pintor que tinha um aquário com um peixe vermelho. Vivia o peixe tranquilamente acompanhado pela sua cor vermelha até que principiou a tornar-se negro a partir de dentro, um nó preto atrás da cor encarnada. O nó desenvolvia-se alastrando e tomando conta de todo o peixe. Por fora do aquário o pintor assistia surpreendido à chegada do novo peixe.

O problema do artista era que, obrigado a interromper o quadro onde estava a chegar o vermelho do peixe, não sabia o que fazer da cor preta que ele agora lhe ensinava. Os elementos do problema constituíam-se na observação dos factos e punham-se por esta ordem: peixe, vermelho, pintor - sendo o vermelho o nexo entre o peixe e o quadro, através do pintor. O preto formava a insídia do real e abria um abismo na primitiva fidelidade do pintor.

Ao meditar sobre as razões da mudança exactamente quando assentava na sua fidelidade, o pintor supôs que o peixe, efectuando um número de mágica, mostrava que existia apenas uma lei abrangendo tanto o mundo das coisas como o da imaginação. Era a lei da metamorfose.

Compreendida esta espécie de fidelidade, o artista pintou um peixe amarelo.


Herberto Helder, Os Passos em Volta


Thursday, June 16, 2011

Não o leio por ler, mas para me encostar ao seu peito.


Kafka sobre A. Strindberg

o caçador de imagens

Walter Miller

olhos que escrevem, mãos que pintam

August Strindberg
dramaturgo



Monday, June 13, 2011

Prelude

How could I love you more?
I would give up
Even that beauty I have loved too well
That I might love you better.
Alas, how poor the gifts that lovers give —
I can but give you of my flesh and strength,
I can but give you these few passing days
And passionate words that, since our speech began,
All lovers whisper in all ladies' ears.
I try to think of some one lovely gift
No lover yet in all the world has found;
I think: If the cold sombre gods
Were hot with love as I am
Could they not endow you with a star
And fix bright youth for ever in your limbs?
Could they not give you all things that I lack?
You should have loved a god; I am but dust.
Yet no god loves as loves this poor frail dust.

Richard Aldington

TRADUZIR-SE

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?

Ferreira Gullar, Na Vertigem do Dia