Saturday, September 29, 2007

Arma de Amor


Diante das Fotos de Evandro Teixeira

A pessoa, o lugar, o objeto
estão expostos e escondidos
ao mesmo tempo só a luz,
e dois olhos não são bastantes
para captar o que se oculta
no rápido florir de um gesto.

É preciso que a lente mágica
enriqueça a visão humana
e do real de cada coisa
um mais seco real extraia
para que penetremos fundo
no puro enigma das figuras.

Fotografia - é o codinome
da mais aguda percepção
que a nós mesmos nos vai mostrando
e da evanescência de tudo,
edifica uma permanência,
cristal do tempo no papel.

Das luas de rua no Rio
em 68, que nos resta
mais positivo, mais queimante
do que as fotos acusadoras,
tão vivas hoje como então,
a lembrar como a exorcizar?

Marcas de enchente e do despejo,
o cadáver insepultável,
o colchão atirado ao vento,
a lodosa, podre favela,
o mendigo de Nova York
a moça em flor no Jóquei Clube,

Garrincha e nureyev, dança
de dois destinos, mães-de-santo
na praia-templo de Ipanema,
a dama estranha de Ouro Preto,
a dor da América Latina,
mitos não são, pois são fotos.

Fotografia: arma de amor,
de justiça e conhecimento,
pelas sete partes do mundo
a viajar, a surpreender
a tormentosa vida do homem
e a esperança a brotar das cinzas.

Carlos Drummond de Andrade, Amar se Aprende Amando

4'33"

I am here, and there is nothing to say. If among you are those who wish to get somewhere, let them leave at any moment. What we require is silence; but what silence requires is that I go on talking. Give any one thought a push; it falls down easily; but the pusher and the pushed produce that entertainment called a discussion. Shall we have one later? Or we could simply decide not to have a discussion. Whatever you like. But now there are silences and the words help make the silences. I have nothing to say and I am saying it and that is poetry as I need.

John Cage, Lecture on Nothing

Beat Generation

I saw the best minds of my generation destroyed by madness

with the absolute heart of the poem of life butchered out of their own bodies good to eat a thousand years.


Allen Ginsberg, tiny little piece of Howl


Maria Rita com Cuíca

E eis que Maria Rita tomou a melhor decisão da sua vida e fez um disco inteirinho de samba. Parece que finalmente se encontrou. Perfeito perfeito perfeito era ouvi-la no Rio Scenarium. E mandar vir também Ana Miranda, Marcos Sacramento, Péri e todos os sambas deles com/passos de passarinho. Porque nem todos os discos podem começar assim:

o meu samba vai curar teu abandono

Wednesday, September 26, 2007

A Invenção da Paisagem ou As Razões de um Centenário

S. Leonardo de Galafura, 8 de Abril de 1977 — O Doiro sublimado. O prodígio de uma paisagem que deixa de o ser à força de se desmedir. Não é um panorama que os olhos contemplam: é um excesso da natureza. Socalcos que são passadas de homens titânicos a subir as encostas, volumes, cores e modulações que nenhum escultor, pintor ou músico podem traduzir, horizontes dilatados para além dos limiares plausíveis da visão. Um universo virginal, como se tivesse acabado de nascer, e já eterno pela harmonia, pela serenidade, pelo silêncio que nem o rio se atreve a quebrar, ora a sumir-se furtivo por detrás dos montes, ora pasmado lá no fundo a reflectir o seu próprio assombro. Um poema geológico. A beleza absoluta.

Miguel Torga

Monday, September 24, 2007

Monday with Chilly

Sunday, September 23, 2007

Álibi


Não estive presente
quando se perpetrou
o crime de viver:
quando os olhos despiram,
quando as mãos tocaram,
quando a boca mentiu,
quando os corpos tremeram,
quando o sangue correu.
Não estive presente.
Estive fora, longe
do mundo, do meu mundo
pequeno e proibido
que embrulhei e amarrei
com cordéis apertados
de meridianos meus
e de meus paralelos.
Os versos que escrevi
provam que estive ausente.

Eu estou inocente.

Guilherme de Almeida (1890-1969)

Saturday, September 22, 2007

Happeyes

O ponto de vista estético sobre o mundo consiste essencialmente na contemplação do mundo por um olhar feliz.

Wittgenstein

Friday, September 21, 2007

Lições de Anatomia Estética XX

Edvard Munch, A Cabeça de um Homem nos Cabelos de uma Mulher, 1896

Sei que o homem lavava os cabelos como se fossem longos
Porque tinha uma mulher no pensamento
Sei que os lavava como se os contasse

Sei que os enxugava com a luz da mulher
Com os seus olhos muito claros voltados para o centro
Do amor, na operação poderosa
Do amor

Sei que cortava os cabelos para procurá-la
Sei que a mulher ia perdendo os vestidos cortados

Era um homem imaginado no coração da mulher que lavava
O cabelo no seu sangue

Na água corrente

Era um homem inclinado como o pescador nas margens para ouvir

E a mulher cantava para o homem respirar

Daniel Faria, Homens que São como Lugares mal Situados, 1998

Shake it, baby

Michael, we want you back!

Thursday, September 20, 2007

Lições de Anatomia Estética XIX

Giuseppe Arcimboldo, 1527-1593

E rota, pequenina, azafamada,
Notei de costas uma rapariga,
Que no xadrez marmóreo duma escada,
Como um retalho de horta aglomerada,
Pousara, ajoelhando, a sua giga.

E eu, apesar do sol, examinei-a:
Pôs-se de pé; ressoam-lhe os tamancos;
E abre-se-lhe o algodão azul da meia,
Se ela se curva, esguedelhada, feia,
E pendurando os seus bracinhos brancos.

Do patamar responde-lhe um criado:
«Se te convém, despacha; não converses.
Eu não dou mais.» E muito descansado,
Atira um cobre lívido, oxidado,
Que vem bater nas faces duns alperces.

Subitamente - que visão de artista! -
Se eu transformasse os simples vegetais,
À luz do Sol, o intenso colorista,
Num ser humano que se mova e exista
Cheio de belas proporções carnais?!

Bóiam aromas, fumos de cozinha;
Com o cabaz às costas, e vergando,
Sobem padeiros, claros de farinha;
E às portas, uma ou outra campainha
Toca, frenética, de vez em quando.

E eu recompunha, por anatomia,
Um novo corpo orgânico, aos bocados.
Achava os tons e as formas. Descobria
Uma cabeça numa melancia,
E nuns repolhos seios injectados.

As azeitonas, que nos dão o azeite,
Negras e unidas, entre verdes folhos,
São tranças dum belo cabelo que se ajeite;
E os nabos - ossos nus, da cor do leite,
E os cachos de uvas - os rosários de olhos.

Há colos, ombros, bocas, um semblante
Nas posições de certos frutos. E entre
As hortaliças, túmido, fragrante,
Como dalguém que tudo aquilo jante,
Surge um melão, que me lembrou um ventre.


E, como um feto, enfim, que se dilate,
Vi nos legumes carnes tentadoras,
Sangue na ginja vívida, escarlate,
Bons corações pulsando no tomate
E dedos hirtos, rubros, nas cenouras.

O sol dourava o céu. E a regateira,
Como vendera a sua fresca alface
E dera o ramo de hortelã que cheira,
Voltando-se, gritou-me, prazenteira:
«Não passa mais ninguém!... Se me ajudasse?!...»

Eu acerquei-me dela, sem desprezo;
E, pelas duas asas a quebrar,
Nós levantámos todo aquele peso
Que ao chão de pedra resistia preso,
Com um enorme esforço muscular.

«Muito obrigada! Deus lhe dê saúde!»
E recebi, naquela despedida,
As forças, a alegria, a plenitude,
Que brotam dos excessos de virtude
Ou duma digestão desconhecida.

E enquanto sigo para o lado oposto,
E ao longe rodam as carruagens,
A pobre afasta-se, ao calor de Agosto,
Descolorida nas maçãs do rosto,
E sem quadris na saia de ramagens.

Um pequerrucho rega a trepadeira
Duma janela azul; e, com o ralo
Do regador, parece que joeira
Ou que borrifa estrelas; e a poeira
Que eleva nuvens alvas a incensá-lo.

Chegam do gigo emanações sadias,
Oiço um canário - que infantil chilrada! -
Lidam ménages entre as gelosias,
E o sol estende, pelas frontarias,
Seus raios de laranja destilada.

E pitoresca e audaz, na sua chita,
O peito erguido, os pulsos nas ilhargas,
Duma desgraça alegre que me incita,
Ela apregoa, magra, enfezadita,
As suas couves repolhudas, largas.

E, como grossas pernas dum gigante,
Sem tronco, mas atléticas, inteiras,
Carregam sobre a pobre caminhante,
Sobre a verdura rústica, abundante,
Duas frugais abóboras carneiras.

Cesário Verde, «Num Bairro Moderno», 1877

Tuesday, September 18, 2007

Mon jour mis à nu

De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo

Vinicius de Moraes

Um dos melhores concertos de todos os tempos.
Vinicius, Jobim, Toquinho e Miucha.
Impossível escolher só um momento.

Saturday, September 15, 2007

Lullaby

Esta é dedicada a quem adormece ao som da Ana Carolina e Seu Jorge... Bom embalo ;)

Lullaby

Lay your sleeping head, my love,
Human on my faithless arm;
Time and fevers burn away
Individual beauty from
Thoughtful children, and the grave
Proves the child ephemeral:
But in my arms till break of day
Let the living creature lie,
Mortal, guilty, but to me
The entirely beautiful.

Soul and body have no bounds:
To lovers as they lie upon
Her tolerant enchanted slope
In their ordinary swoon,
Grave the vision Venus sends
Of supernatural sympathy,
Universal love and hope;
While an abstract insight wakes
Among the glaciers and the rocks
The hermit's carnal ecstasy.

Certainty, fidelity
On the stroke of midnight pass
Like vibrations of a bell
And fashionable madmen raise
Their pedantic boring cry:
Every farthing cost,
All the dreaded cards foretell,
Shall be paid, but from this night
Not a whisper, not a thought,
Not a kiss nor look be lost.

Beauty, midnight, vision dies:
Let the winds of dawn that blow
Softly round your dreaming head
Such a day of welcome show
Eye and knocking heart may bless,
Find our mortal world enough;
Noons of dryness find you fed
By the involuntary powers,
Nights of insult let you pass
Watched by every human love.


W.H. Auden

Friday, September 14, 2007

Wake Up, It's Friday

Pois é, a semana está mesmo revivalista...
Remember The J.Geils Band

Thursday, September 13, 2007

Wilde Moral

Não existem livros morais ou imorais. Os livros são mal ou bem escritos. É tudo.

Gosto mais de pessoas do que de princípios, e gosto de pessoas sem princípios mais do que tudo na vida.


As pessoas fiéis só conhecem o lado trivial do amor. São os infiéis que conhecem as tragédias do amor.


A única maneira de nos livrarmos de uma tentação é cedermos-lhe.


Só as pessoas frívolas é que não julgam pelas aparências.


DE O RETRATO DE DORIAN GRAY

Wednesday, September 12, 2007

Elas obrigaram-me OU O Melhor Tesourinho Não-Deprimente OU Best Original Life Soundtrack

E não houve festa de 18 anos em que não berrássemos com a Tina...

Born in the 80s

E por que é que há cenas assim, que ficam a ressoar nos olhos toda a semana?
O magnífico fã da Kim é Romain Duris. Em Dans Paris, de Christophe Honoré. A figura é a de todos nós.

Tuesday, September 11, 2007

11'09''01

Porque um ecrã negro também vale mil imagens. E cada imagem ainda é um susto.

Realização de Alejandro González Iñárritu

The Absent

They are not here. And we, we are the Others
Who walk by ourselves unquestioned in the sun
Which shines for us and only for us.
For They are not here.
And are made known to us in this great absence
That lies upon us and is between us
Since They are not here.
Now, in this kingdom of summer idleness
Where slowly we the sun-tranced multitudes dream and wander
In deep oblivion of brightness
And breathe ourselves out, out into the air-
It is absence that receives us;
We do not touch, our souls go out in the absence
That lies between us and is about us.
For we are the Others.
And so we sorrow for These that are not with us,
Not knowing we sorrow or that this is our sorrow,
Since it is long past thought or memory or device of mourning,
Sorrow for loss of that which we never possessed,
The unknown, the nameless,
The ever-present that in their absence are with us
(With us the inheritors, the usurpers claiming
The sun and the kingdom of the sun) that sorrow
And loneliness might bring a blessing upon us.

EDWIN MUIR
1887-1959

Sunday, September 9, 2007

All Rights Reversed

The Chemical Brothers, We Are The Night, 2007, CD cover
Herbert Bayer, 1932

free music

Friday, September 7, 2007

Tesourinhos não-deprimentes XVII

Acho que chorei quando me levaram as cassetes de VHS onde guardava preciosamente o David Addison...

Thursday, September 6, 2007

Lições de Anatomia Estética XVIII

Martine Franck


por vezes arriscam,
esperam-nos ansiosamente, com os
olhos encaracolados de sonho

valter hugo mãe

Original Life Soundtrack V

ADDICTION:AGOSTO DE 2007

A não perder a versão da Clara Moreno, em Meu Samba Torto

Wednesday, September 5, 2007

Lições de Anatomia Estética XVII

Molda-me a partir do céu da tua boca
Porque pressinto que posso ouvir-te
No firmamento.

Daniel Faria

Olhos Dobrados VI

Paul Strand, Blind 1916


Cego — e os olhos a quererem abrir-se
Como as chagas
Daniel Faria

Lições de Anatomia Estética XVI

Com a palavra cosi a língua ao palato
Daniel Faria, Dos Líquidos

Tuesday, September 4, 2007

Sabrina


And you're still reaching for the moon.
No. The moon's reaching for me.


Never resist an impulse, Sabrina, especially if it's terrible.

free music

Sunday, September 2, 2007

Esprit Rentrée

Thank u CL :)

DO ONE THING, EVERY DAY, THAT SCARES YOU.

Esprit Rentrée II

I've got a wonderful idea.

We'll spend the day doing things

we've never done before.