Tuesday, October 30, 2007

Viajar, Perder Cidades

Elliott Erwitt-Madrid 1995
Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia


Imagens em Castela

Se alguém procura a imagem
da paisagem de Castela
procure no dicionário:
meseta provém de mesa.

É uma paisagem em largura,
de qualquer lado infinita.
É uma mesa sem nada
e horizontes de marinha

posta na sala deserta
de uma ampla casa vazia,
casa aberta e sem paredes,
rasa aos espaços do dia.

Na casa sem pé direito,
na mesa sem serventia,
apenas, com seu cachorro,
vem sentar-se a ventania.

E quando não é a mesa
sem toalha e sem terrina,
a paisagem de Castela
num grande palco se amplia:

no palco raso, sem fundo,
só horizonte, do teatro
para a ópera que as nuvens
dão ali em espetáculo:

palco raso e sem fundo,
palco que só fosse chão,
agora só freqüentado
pelo vento e por seu cão.

No mais, não é Castela
mesa nem palco, é o pão:
a mesma crosta queimada,
o mesmo pardo no chão;

aquele mesmo equilíbrio,
de seco e úmido, do pão,
terra de águas contadas
onde é mais contado o grão;

aquela maciez sofrida
que se pode ver no pão
e em tudo o que o homem faz
diretamente com a mão.

E mais: por dentro, Castela
tem aquela dimensão
dos homens de pão escasso,
sua calada condição.


João Cabral de Melo Neto, Paisagens com Figuras

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