Thursday, November 22, 2007

22 de Novembro de 1710: Não há regresso após tanta invenção



Alegra-me. Mas não para alegrar-me
foi concebida em racionais delírios
de pautas e compassos. Foi-o, sim,
para que eu saiba que criar não basta
se não se for criado assim do nada.


São contra a morte, ou contra a vida, as vozes
que tão fugatamente desconversam?
São contra a terra ou contra o céu as pausas
quase que imperceptíveis que retornam?
São contra as coisas ou são contra os homens
certas singelas notas que persistem?

Ou a favor? Não sei. Talvez que sejam
uma existência que se vive ouvindo
apenas o fluir da música nascida
de não fluir mais nada que não seja a vida.


A música é só música, eu sei. Não há
outros termos em que falar dela a não ser que
ela mesma seja menos que si mesma. Mas
o caso é que falar de música em tais termos
é como descrever um quadro em cores e formas e volumes, sem
mostrá-lo ou sem sequer havê-lo visto alguma vez.
Vejamo-lo, bem sei, calados, vendo. E se a música
for música, ouçamo-la e mais nada.

Quando, no fim,
aquele tema torna não é para encerrar
num círculo fechado uma odisseia em teclas,
mas para colocar-nos ante a lucidez
de que não há regresso após tanta invenção.
Nem a música, nem nós, somos os mesmos já.


Neste silêncio, que ficou, flutua?
O quê?
Nós?
Como tão pouco restaria?

Jorge de Sena, «Prelúdios e Fugas de J. S. Bach, para órgão», «Concerto 'Brandenburguês' nº. 1 em Fá Menor, de J. S. Bach» e «Bach: Variações Goldberg», Arte de Música

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