Monday, January 28, 2008

A violenta companhia

Embora já não tragas nos teus gestos
a primeira casa da ternura,

a que fechaste noutros corpos
contentes apenas de te darem
o corpo ainda (e fácil) das paredes,
o amor mobilado, a melancólica
visita do mundo das janelas;

e embora a ousasses por ruas que iam dar
a outros braços e rostos e te abriram
cidades de palavras, lábios puros
(ou apenas te prenderam e magoaram)

e também não fossem ainda para ti
os amargos dedos tristes não sei onde
e usados corpos que mudei
ou que despi
nem o amor comprado amor gratuito
e a trémula chave adolescente
da carne inaugurada e repetida,

só agora, meu amor, unimos
olhos fiéis a beijos claros
e fundos corações dentro da noite
(como se fora, embora, em pleno dia)
e dedos densos que são veias
diárias e discretas da alegria
e muitas palavras que só querem
fazer-te sempre companhia.

É de nós que nasce agora
a madrugada

(Nunca teremos tudo
e já não precisamos
de mais nada)

Vítor Matos e Sá, Companhia Violenta, 1980

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