Camões Dirige-se aos Seus Contemporâneos
Podereis roubar-me tudo:
as ideias, as palavras, as imagens,
e também as matáforas, os temas, os motivos,
os símbolos, e a primazia
nas dores sofridas de uma língua nova,
no entendimento de outros, na coragem
de combater, julgar, de penetrar
em recessos de amor para que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
outros ladrões mais felizes.
Não importa nada: que o castigo
será terrível. Não só quando
vosso netos não souberem já quem sois
terão de me saber melhor ainda
do que fingis que não sabeis,
como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
reverterá para o meu nome. E mesmo será meu,
tido por meu, contado como meu,
até mesmo aquele pouco e miserável
que, só por vós, sem roubo, haveríeis feito.
Nada tereis, mas nada: nem os ossos,
que um vosso esqueleto há-de ser buscado,
para passar por meu. E para outros ladrões,
iguais a vós, de joelhos,porem flores no túmulo.
Jorge de Sena
Metamorfoses
1 comment:
gostei muito de percorrer o seu blog. Continuarei a acompanhar. Convido-a a visitar o meu:
http://retrovisor.blogs.sapo.pt
saudações cordiais
Vera
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