Uns dizem que os meus versos são tristes,
outros que são abstractos.
Mas eu não tenho culpa que a carne da inteligência
seja triste, e inteligente.
Eu preferia que os meus versos fossem
alegres e estúpidos.
Mas, se fossem, não haveria os meus versos.
Os meus versos disseram sempre direito
aquilo que saiu errado quando o quisa fazer
como se a vida fosse a poesia.
Mas eu continuo a crer na poesia.
A vida que tenha paciência.
Adolfo Casais Monteiro
Tuesday, June 30, 2009
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A MANHÃ NO CAFÉ DESERTO
Café.
Ruídos abafados.
É como se a vida fosse calafetada.
Quase silencio.
Os ruídos da rua chegam por este corredor fora
Como enfraquecidos da viagem.
Aqui ao fundo a sombra é maior,
Hoje que chove lá fora,
Miudamente.
Tepidez.
Folheio livros, distraído,
Por aqui ser inútil fingir qualquer acção.
Estar aqui sozinho é viver intensamente,
Estar aqui silencioso e recolhido
Dá não sei que ciência de todos os segredos do fluir da vida.
O café: acumulador de todos os destinos aqui suspensos um momento.
Nesta atmosfera densa permanece a síntese de todos os caminhos
Aqui onde o silencio existe a esta hora da manhã,
Existe apesar dos ruídos,
Segunda atmosfera suspensa e doce,
Alheia ao que não seja a sua compenetrada reflexão
Sobre o surdo ressoar das vidas que por aqui se fixaram um momento.
Planalto para onde todos trouxeram a descansar a agitação das suas vidas
Que puseram ao lado a acalmar sobre os longos divãs de couro,
E onde vieram beber na espessa bebida negra a paz momentânea ou mais excitação.
Paz.
Lusco-fusco.
Alheamento.
Aqui até a nossa vida nos é um espectáculo
Exterior como um filme ao fundo da sala em trevas.
Café,
Meu amigo!
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Friday, June 26, 2009
michael, o mundo é mágico: os artistas não morrem, ficam encantados
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Tuesday, June 23, 2009
do sal, ainda
DUALISMO, UNIDADE
Um saleiro.
Um pimenteiro.
Dentro sal num.
Noutro pimenta.
Uma só forma
para duas cores.
A mesma ideia.
Qual escolhes tu:
sal e pimenta
ou a tua alma?
Nem forma ou cor:
tempero.
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Saturday, June 20, 2009
o sal da língua
Conheço o sal da tua pele seca
depois que o estio se volveu inverno
da carne repousando em suor nocturno.
Conheço o sal do leite que bebemos
quando das bocas se estreitavam lábios
e o coração no sexo palpitava.
Conheço o sal dos teus cabelos negros
ou louros ou cinzentos que se enrolam
neste dormir de brilhos azulados.
Conheço o sal que resta em minha mãos
como nas praias o perfume fica
quando a maré desceu e se retrai.
Conheço o sal da tua boca, o sal
da tua língua, o sal de teus mamilos,
e o da cintura se encurvando de ancas.
A todo o sal conheço que é só teu,
ou é de mim em ti, ou é de ti em mim,
um cristalino pó de amantes enlaçados.
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Thursday, June 18, 2009
Wednesday, June 17, 2009
isto sim é um governo alternativo com alternativas verdadeiras
GOVERNO - Meio Bicho e Fogo from 8 e Meio on Vimeo.
composto por miguel pedro (fundador de bandas como mão morta e mundo cão) com letra de valter hugo mãe.
o projecto governo é composto por antónio rafael (também dos mãos morta) nas teclas, henrique fernandes no contrabaixo, miguel pedro na percussão e programações e valter hugo mãe na voz.
a animação do vídeo é da autoria de esgar acelerado, com desenhos de sara macedo e do próprio.
«meio bicho e fogo» é o tema com que o governo participa na compilação «novos talentos fnac 2009»
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Tuesday, June 16, 2009
Saturday, June 13, 2009
WorldWide Festival: haverá algum festival de verão melhor do que este?!
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Friday, June 12, 2009
Escrever
Grossistas de palavras
A crer no que disseram os jornais, Carolina Salgado declarou ao tribunal ser escritora de profissão.
E, tanto quanto sei, devia estar sob juramento.
E não lhe tremeu a voz.
E não corou.
Suponhamos agora que ela chegava e dizia, por exemplo, que era advogada. Ou juíza. O que é que lhe acontecia?
Porque para todas as profissões se requerem estudos, habilitações, trabalho esforçado, provas dadas. Para todas - menos para a de escritor. Que é, cada vez mais, uma profissão muito mal frequentada…
Ainda não há muito tempo um jornalista da nossa praça, depois de ter publicado um primeiro romance, também declarava que qualquer um podia ser escritor.
Mal comparado, isto é assim como se uma pessoa que fosse muito habilidosa a coser bainhas se sentisse com todo o direito de coser a barriga de um desgraçado na sala de operações.
Claro que hoje qualquer um pode publicar um livro ou paga do seu bolso, ou encontra uma editora que vá na conversa. Até porque os motivos que levam à escrita cada vez são mais estranhos, e o sucesso cada vez mais rápido, sob os holofotes das câmaras de televisão e das capas das revistas.
Emagreci 30 quilos? Escrevo um livro.
Mas logo a seguir engordei 20 quilos, e o meu homem bate-me todos os dias? Escrevo um livro.
Tramei o namorado que por acaso era do jet-set? Escrevo um livro.
Apareci duas vezes numa telenovela e dei três autógrafos? Escrevo um livro.
Desapareceu-me a bagagem no voo de Cancun? Escrevo um livro.
Descobri que o meu namorado é um crápula e me engana com a sobrinha da porteira que tem menos 20 anos do que ele? Escrevo um livro.
Digamos que é assim uma réplica com vagas pretensões literárias da frase que repetia aquela boneca à entrada da tenda de uma astróloga na velha Feira Popular "um escudo, um escudo, que a Dora diz tudo!"…
É claro que os livros aguentam algumas semanas nos escaparates - enquanto o público se lembra das caras de quem os escreveu, ou chora pelas suas desgraças. Depois esquece tudo, até porque, entretanto, já há outros desgraçados a aparecer, e é preciso sofrer por outras tragédias -e os livros somem. Será que hoje ainda alguém se lembra do título do livro que escreveu aquele Mário, concorrente de um dos "Big Brother", que depois até esteve preso (não, não foi por causa de ter assassinado o português…)?
Publicar um livro, por si só, não faz de ninguém um escritor.
Aqui no meu bairro houve em tempos uma agência turística. Fraca, sem rasgo, aguentou muito pouco tempo. Mas o dono, honestamente, intitulava-se "grossista de viagens".
Aí está "grossista de palavras" talvez não fosse má designação para esses que de vez em quando publicam umas coisas que, à primeira vista - e porque somos um país de míopes -, até parecem livros.
Mas ainda o pior de tudo é pensar que, para haver livros tem de haver papel; e para haver papel tem de haver árvores.
É então que recordo, com saudade, o meu amigo José Palla e Carmo quando dizia "Meu Deus, a quantidade de árvores que é preciso deitar abaixo para se fazer papel de parvo…"
Alice Vieira
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Manhã de Junho
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Sunday, June 7, 2009
Quadrilha
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para o Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
Carlos Drummond de Andrade
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Saturday, June 6, 2009
ÚLTIMOS POEMAS, DE NUNO MORAIS
Mársias e a cintigrafia
Mársias cintila. É belo assim recortado,
Mudado por Apolo numa paisagem radioactiva.
O deus, com grandes incêndios, deu início
A uma caça à alma, ainda e sempre a monte.
Apolo é paciente, sabe que nada
Sobreviverá à devastação química
Com que fará pagar o desafio de Mársias –
Ter apregoado a impiedade do sol,
Ter-se jactado — O sol é meu inimigo –
Para se arrancar à sua insignificância.
Apolo não o esfolará vivo:
Reserva-lhe pior – uma sorte de laboratório.
Apolo admira os músculos tangidos,
A precisão dos órgãos,
O brilho viscoso das vísceras,
A coralina arborescência
De vasos, veias, fibras,
O impulso arquitectónico de um grito,
A polpa pulsante do vivo em agonia –
Apolo ama esta luz que tudo arranca.
Sobretudo, é preciso que Mársias
Suplique ainda alguma clemência divina,
Para que a sua carne se torne mais funda,
O seu sangue, mais rico,
Para que a dor se expanda
Seguindo essa esperança condutora
Que o deus, com um sopro, fará vã.
Quasi, 2009
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Friday, June 5, 2009
Geo grafia
Murilo Mendes, Poliedro
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Nós dois estamos aqui nesta sala há uns vinte minutos, conversando. Vinte minutos multiplicados por dois fazem quarenta minutos. Portanto estamos aqui há quarenta minutos, não é ?
Murilo Mendes, A Idade do Serrote
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de barbare et de sauvage.
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Thursday, June 4, 2009
todd terjeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee
Isaac Hayes - Moonlight Lovin' (Todd Terje edit)
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Wednesday, June 3, 2009
eu gosto muito do valter hugo mãe da maria da graça e até da quitéria
por vezes, aparecia um serviço maior, uma limpeza profunda numa casa qualquer que se ia vender, que se ia finalmente habitar ou simplesmente que se poria pronta para a páscoa ou outra festa qualquer. aquele casarão era antigo, escadas de pedra, tijoleiras desenhadas havia cem anos, os vidros cheios de madeirinhas a entrecortar, quase como vitrais de igreja, mas sem cores. as duas apreciavam sobretudo a ajuda dos bons produtos de limpeza para aquela aventura de dois dias. se deus viesse à terra dos trabalhadores poderia encarnar numa embalagem destas. eu entenderia que deus fosse uma neoblanc azul denso-activa com pernas e braços e uns olhos a saírem daqui de dentro, porque é muito bonita, não respinga e cumpre a sua função como nenhuma outra. talvez devesse usar esta com o augusto. a maria da graça riu-se e respondeu, e achas que tenho dinheiro para o matar com uma lixívia gourmet. que é isso, perguntou a outra. é o caviar das lixívias. que palavras sabes tu, maria da graça.
o apocalipse dos trabalhadores
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Tuesday, June 2, 2009
o resto da lição
Procura da poesia
Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.
Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.
O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.
Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.
Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.
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Lição
Carlos Drummond de Andrade
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Monday, June 1, 2009
Like a child again
Children waitin' for the day they feel good
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