Tuesday, June 26, 2007

Lições de Anatomia Estética X

Van Gogh, Auto-Retrato com a orelha cortada


E a própria natureza exterior com os seus climas, as suas marés e tempestades de equinócio, depois da passagem de Van Gogh pela terra já não consegue manter a mesma gravitação.

Quanto à mão assada, trata-se de heroísmo puro e simples,
quanto à orelha cortada, trata-se da lógica directa
e, repito,
um mundo que dia e noite, cada vez mais, come o incomestível
para levar a sua má-vontade aos seus fins,
quanto a isto só tem
que calar o bico.

Paisagens de convulsões fortes, de traumatismos exaltados, como de um corpo que a febre trabalha para levar à saúde exacta.
O corpo sob a pele é uma oficina sobreaquecida,
e lá fora
o doente brilha,
reluz
com todos os poros
rebentados.
Também uma paisagem
de Van Gogh

ao meio-dia.
Só a guerra para todo o sempre explica uma paz que só é uma passagem,
tal como o leite prestes a derramar-se explica o tacho onde fervia.

O olhar de Van Gogh está pendurado, aparafusado, está envidraçado atrás das pálpebras quase inexistentes, das sobrancelhas magras e sem nenhuma ruga.
É um olhar que fura a direito, trespassa neste rosto feito a podão como uma árvore bem talhada.
Mas Van Gogh captou o instante em que a íris vai despejar-se no vazio,
em que esse olhar, que sai ao nosso encontro como a bomba de um meteoro, ganha a cor átona do vazio e do inerte que o preenche.

Ninguém se suicida sozinho.

Nunca houve quem estivesse sozinho para nascer.

Também nunca houve quem estivesse sozinho para morrer.


Van Gogh vu par Antonin Artaud

No comments: