Monday, January 29, 2007

Ricardo Rebelo de Sousa ou Da Mimesis

E, como aprender e admirar é agradável, necessário é também que o sejam as coisas que possuem estas qualidades; por exemplo, as imitações, como as da pintura, da escultura, da poesia, e em geral todas as boas imitações, mesmo que o original não seja em si mesmo agradável; pois não é o objecto retratado que causa prazer, mas o raciocínio de que ambos são idênticos, de sorte que o resultado é que aprendemos alguma coisa.

Aristóteles

Friday, January 26, 2007

O amor é um crime invulgar


Rapta os sentidos. Parte a pele.
Arromba os lábios. Rasga a razão.
Estremece quando trafica.
Viola a distância. Rouba o ar à respiração.
Assalta à mão amada.
Nem todos os roubos são maus. Há quem roube corações.

Monday, January 22, 2007

My sin, my soul. My sorrow.

LIGHT OF MY LIFE,
FIRE OF MY LOINS.

Farewell Fiama (1938-2007)

Estou a ver se imprimo a tua face na minha.
«Eva Sabia», Contos da Imagem
Sem vento, a minha voz secou
aqui, neste parque de cedros quietos.

Tudo é como ontem era, mas a minha
voz, na minha face, calou-se,
porque só o vento me trazia a fala,
vinda de algures, com notícias de alguém,
indo para além, para outros ouvidos, num país.
As Fábulas

Sunday, January 21, 2007

Weekend Highlights





I. Friday night warm-up with cachaça mineira aka Remember Mangue Seco


II. Atoladinha

IMPERDÍVEL.

Great balls of fire on the dancefloor.




III. Sunday evening cooldown feat. Woody Allen's Scoop, remembering Santo Agostinho
Punctum* do filme: a esplêndida arte da memória de Splendini, digna das mais apuradas mnemotécnicas da Antiguidade. Splendini meets Cícero com os seus 12 anões às piruetas, os 16 cavalos azuis, os 21 aviões e os cinzeiros dançantes. Eis a verdadeira fusão da memoria rerum e da memoria verborum. Santo Agostinho dixit: «Chego aos campos e vastos palácios da me­mória onde estão tesoiros de inumeráveis imagens trazidas por percepções de toda a es­pé­cie. Quando lá entro mando comparecer diante de mim todas as imagens que quero. Umas apresen­tam‑se imedia­ta­mente, outras fazem‑me esperar por mais tempo, até serem ex­traí­das, por assim dizer, de certos recep­táculos ainda mais recônditos. Outras irrompem aos turbilhões e, enquanto se pede e se pro­cura uma outra, saltam para o meio como que a dize­­rem: ‘Não seremos nós?’ Eu então, com a mão do espírito afasto‑as do rosto da memó­­ria, até que se desanuvie o que quero e do seu escon­de­ri­jo a imagem apareça à vista. Outras imagens ocorrem‑me com facilidade e em série or­denada, à me­dida que as chamo. En­tão as precedentes cedem o lugar às seguintes e, ao cedê‑lo, es­condem‑se pa­ra de novo avan­­çarem, quando eu quiser» (Confissões).

* punctum selon Barthes, La Chambre Claire: Não sou eu que vou procurá-lo, é ele que salta da cena, como uma seta, e vem trespassar-me. Existe uma palavra em latim para designar essa ferida, essa picada, essa marca feita por instrumento aguçado. A este segundo elemento que vem perturbar o studium eu chamaria, portanto, punctum; porque punctum é também picada, pequeno orifício, pequena mancha, pequeno corte - e também lance de dados. Neste espaço habitualmente unário, por vezes um «pormenor» chama-me a atenção. Sinto que a sua presença por si só modifica a minha leitura, que é uma nova foto que contemplo, marcada, aos meus olhos, por um valor superior. Este «pormenor» é o punctum (aquilo que me fere). Última coisa sobre o punctum: quer esteja cercado ou não, é um suplemento; é aquilo que eu acrescento à foto e que, no entanto, já lá está. Será que no cinema eu acrescento à imagem? Penso que não; não tenho tempo: diante do écran, não posso fechar os olhos; se o fizesse, ao voltar a abri-los, não encontraria a mesma imagem; estou, pois, sujeito a uma voracidade contínua. Contudo, o cinema tem um poder que, à primeira vista, a Fotografia não pos­sui: o écran (observou Bazin) não é um quadro, mas um esconderijo; a personagem que sai de lá continua a viver; um «campo cego» dobra incessantemente a visão parcial.

Friday, January 19, 2007

Elis

Eles passarão. Eu passarinho.





Dentro do magnífico Samba Passarinho de Péri, comprado em Salvador na loja de cds mais obrigatória das redondezas (Cana Brava, Pelourinho: Rua João de Deus, 22), eis que a minha mãe descobre esta pérola do Mário Quintana, a voar desde Porto Alegre:



POEMINHO DO CONTRA

Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!

Desenredo

Todo abismo é navegável a barquinhos de papel.

Guimarães Rosa


Entre as três margens se engole a água do rio.
E o rio é essa tristeza que se alegra,
e tu a minha neblina, Diadorim.
No lume dele vê-se o teu nome,
clarágua beladormecida nos braços
de uma lua recolhida.
Febril na despedida, Diadorim abraça-me
com as asas de todos os pássaros,
segura-me com os olhos e sua saudade.
Fala só por pedaços de palavras, pedacinhos:
a vida cabe toda em cada um, no viver tudo cabe,
protejo a morte e caço uma sombra de amor
na Serra do Mim. O sertão é o mundo,
circungira incessante circungirassol sem fim:
o mundo é o sertão de Diadorim.





Elis RIP


Ela entrou pela vida fora, dela saiu pela morte dentro. 25 anos sem Elis.
"Por Toda Minha Vida" marca os 25 anos da morte.
Maria Rita participa, com uma música que foi sucesso na voz da mãe:

Essa Mulher
(Joyce e Ana Terra, 1979)
De manhã cedo essa senhora se conforma
Bota a mesa, tira o pó, lava a roupa, seca os olhos
Ah, como essa santa não se esquece
De pedir pelas mulheres, pelos filhos, pelo pão
Depois sorri meio sem graça
E abraça aquele homem, aquele mundo que a faz assim feliz
De tardezinha essa menina se namora
Se enfeita, se decora, sabe tudo, não faz mal
Ah, como essa coisa é tão bonita
Ser cantora, ser artista, isso tudo é muito bom
E chora tanto de prazer e de agonia
De algum dia, qualquer dia entender de ser feliz
De madrugada essa mulher faz tanto estrago
Tira a roupa, faz a cama, vira a mesa, seca o bar
Ah, como essa louca se esquece
Quanto os homens enlouquece nessa boca, nesse chão
Depois parece que acha graça
E agradece ao destino aquilo tudo que a faz tão infeliz
Essa menina, essa mulher, essa senhora
Em quem esbarro a toda hora no espelho casual
É feita de sombra e tanta luz
De tanta lama e tanta cruz que acha tudo natural


E depois dessa mulher, cf. Cotidiano, feat. Chico e Caetano @ http://www.youtube.com/watch?v=E6GdSgHXShc

Éloge de Godard


SUMMER LEAVES


Sarah Kane


Can take away your life but not give you death instead.

Rod dixit.
Rod, do outro lado da dor.